quarta-feira, 28 de março de 2012

Tristeza e Luto

É nesta quinta-feira o dia começou bem mais cedo do que de costume, e pelo jeito ainda estava bem longe de acabar. Ouvi uma voz familiar me chamando da janela, era minha avó, ela dizia que tinha um acidente aqui em frente de casa, e o pior o acidentado era um grande amigo. Vesti a primeira roupa, e sai correndo a fim de ver o que realmente tinha acontecido, logo que subi as escadas meu coração gelou e muito, vi que tinha um ônibus e ao pé deste uma pessoa caída, logo que cheguei constatei que era mesmo o meu amigo, ele estava com um braço e uma perna quebrada. Perguntei se ele estava bem – era óbvio que não estava – ele disse: tá doendo muito, eu quero virar – mas ele, [e nem nós] podia [podíamos] – foi então que ele disse: Chama meu pai, trás meu pai aqui, eu quero ver meu pai! Eu tentei tranqüilizá-lo e imediatamente liguei para o pai dele, dei a noticia do acidente, ele continuava reclamando das dores, e chamava pelo pai, eu estava aflito e angustiado ao extremo, tenho verdadeira aversão a acidentes, à sangue, à ferimentos, mas sob hipótese alguma deixaria ele ali sozinho, continuava tentando manter a calma – a minha e a dele – continuava dizendo, fica bem quietinho que seu pai já ta chagando, a ambulância também está a caminho, fica calmo! Nossa como o tempo demora a passar quando estamos aflitos, cerca de cinco minutos depois da minha ligação o pai dele chegou – parecia que tinha passado duas horas – ele estava aparentemente calmo, perguntava o que o filho estava sentindo, e o acalmava dizendo: o papai ta aqui, o filho, se acalmou mais um pouco, mas continuava reclamando das dores, confesso que me senti aliviado só pela presença do pai dele. O tempo passava, meu amigo foi ficando pálido, meu coração se apertava cada vez mais, todos viam claramente o que estava acontecendo, estávamos o perdendo, depois de pouco tempo a ambulância chegou, ao contrário do que esperávamos não houve imobilização, colocaram-no rapidamente na maca e começaram o procedimento de ressussitamento, nesse momento não consegui esconder minha emoção e desci as escadas apressado, chorei um pouco confesso que não tinha muitas esperanças… que sensação péssima, o pai seguia a ambulância no próprio carro, e nós ficamos na rua, esperando por notícias e pelo guincho da moto… poucos minutos depois veio um motociclista e disse que o menino do acidente tinha morrido praticamente ao virar a esquina, confesso que nem eu nem meus familiares acreditamos muito, afinal àquela altura a ambulância já estaria bem longe, o tempo passou, e nós continuávamos apreensivos na rua, foi então que avistamos um carro, dentro dele o irmão do meu amigo, acompanhado de outro grande amigo, chorando – e muito – a bem da verdade não era preciso perguntar o motivo do choro, mas ainda assim insistimos, ele apenas disse: ele morreu! Nossa, que dor senti naquele momento, voltei pra casa e chorei, meu choro à essa altura já era compartilhado por toda a família, meu telefone tocou, era uma amiga – minha futura comadre, a bebê nasce na próxima semana – ela chorando disse: Você ta sabendo? Eu chorando confirmei: estou sim! Fomos ouvintes e confidentes por alguns instantes do choro um do outro, então desligamos o telefone, era hora de tentar avisar aos outros amigos, liguei pra mais duas ou três pessoas, e a história era igual em todos os casos, a pessoa sempre dizia alô e antes que pudéssemos dizer a próxima palavra o choro vinha instantaneamente. Depois de muito choro voltamos a rua, agora havia uma reportagem, ouvimos várias versões da mesma história, e não queríamos acreditar em nenhuma delas. Já estava na hora de ir pro trabalho; fui e com cara de choro trabalhei o dia inteiro pensando nele, pensando em tudo que tinha acontecido até então, finalmente acabou o expediente, voltei pra casa e desviei meu caminho habitual, passei em frente à casa dele, muitas pessoas, parei pra cumprimentar antigos conhecidos, todos com a mesma cara de: ainda não to acreditando. Fui direto pro lugar do velório, lá diversos rostos que sintetizavam o mesmo sentimento, só fui em casa tomar um banho, depois retornei, agora a igreja estava lotada, a rua tomada por pessoas que o queriam bem, dessa vez não chorei, parecia estar anestesiado, fiquei um pouco lá e voltei pra casa, precisava dormir, mas isso não foi possível, acordava a todo momento lembrando dele e de tudo que aconteceu nesse triste dia. O enterro estava marcado pra sair às 10, por volta das 09 eu e minha tia chegamos na igreja e nos deparamos com o velório praticamente saindo, corri desesperadamente pra tentar vê-lo por um último instante, mas dessa vez não agüentei, e chorei, um choro com um sentimento que nem mesmo eu sabia que existia, todos os amigos se abraçavam ao redor do corpo, o choro e  a dor eram recíprocos em todos, me lembro que dois amigos cantava um louvor que dizia: “Santo, Santo eu irei cantar, quando eu passar nos portões celestiais, para sempre eu estarei bem juntinho, bem ao lado do meu Deus, cantando um hino em adoração em louvor[...]”, e depois vinha a parte que deixou todo mundo ainda pior: “Sempre, sempre e NUNCA MAIS VOLTAR”, nossa meu choro se intensificou, amigos vinham me abraçar, e mesmo assim nada fazia aquele sentimento ir embora. O velório saiu e seguimos para o cemitério, lá o corpo ficou na capela por mais alguns minutos, e eu continuava a derramar meu pranto, a noiva dele (esqueci de dizer, meu jovem amigo se casaria daqui a aproximadamente um mês), ela tal qual o pai do meu amigo já tinha feito, me abraçou e agradeceu por ter ajudado à socorrê-lo, fiquei ainda pior, afinal não tinha feito nada, quisera eu poder ter feito, quisera eu ter feito a dor dele passar, mas não pude, o sentimento de impotência é a pior coisa do mundo. E no meio de todo esse choro o corpo desce à sepultura, voltamos pra casa, e só de passar em frente ao local do acidente – o que é impossível não fazer – as lágrimas rolam instantaneamente, a única coisa que conseguia pensar era: como é que seriam as coisa a partir de agora, meu amigo era a alma dos nossos cultos, dos nossos encontros, cantava, tocava, animava, ele era possivelmente o elo que ligava cada um dos outros amigos, e os churrascos, ele trazia seu cavaquinho e literalmente FAZIA A FESTA, numa dessas eu até ganhei uma música: “Sem falsa modéstia Roryam”, como nos divertimos ao som dessa canção… e na igreja então pior ainda, nosso instrumentista, nosso ministro e líder de louvor se foi , é impossível pensar um culto sequer sem a presença – e sinceramente – sem o talento dele…
A sexta-feira se foi e o sábado chegou, primeiro dia de culto depois da tragédia, estava literalmente decidido a não ir, não queria ver o quanto seria triste com a ausência dele. Mas em cima da hora percebi que tinha de ir, uma hora ou outra teria de voltar, e que assim como eu meus outros amigos estavam precisando de apoio. Mesmo antes de chegar sentíamos a falta dele, ele sempre era um dos primeiros a chegar na igreja, e começar a cantar, hoje não ouvimos a voz dele, muito pelo contrário, só conseguiamos ouvir o som que a ausência dele fazia... Na porta mais um abraço e mais uma lágrima, logo na primeira oração um irmão disse: podem chorar à vontade, eu sei o quanto é difícil. E acreditem, nesse culto essa foi a única coisa que fiz, cada música cantada, só pensávamos na ausência, ausência eterna dele, chamaram o grupo de jovens para cantar, ou pelo menos tentar, ele era presença constante aqui, minhas pernas não queriam me obedecer, elas não queriam se mover, mas me esforcei e fui, foi difícil mas suportamos até o fim da música, pra cada rosto que olhávamos só víamos choro, e foi assim até o final.
Ainda é bem difícil, e vai ser pelos próximos dias, espero que esse sentimento de perda passe logo, e que possamos voltar a fazer as coisas com um pouco de alegria, teremos de aprender a fazer as coisas com excelência da forma como ele fazia. Agora só quero que todos fiquem bem, pois temos plena certeza que ele esta bem (mas como diz uma antiga canção: "Sei que você está bem, mas isso não me impede de chorar"), certamente louvando à Deus, ministrando o louvor com toda excelência que só ele sabia fazer.  O vazio aqui é grande, mas pretendemos supri-lo com todas as coisas e momentos bons que você, somente você nos proporcionou.
Não sei se disse tudo que gostaria, não tenho plena certeza se tudo disse tudo que deveria dizer, o sentimento é grande demais, e às vezes, isto é, muitas vezes, as palavras fogem destes. O Miquéias se foi, mas as lembranças boas que ele deixou vão se perpetuar nas nossas mentes, nas nossas vidas e nas nossas histórias. Vai com Deus querido amigo, e seja recebido na glória pelos anjos, e num misto de pesar e gozo cremos que a excelência do seu louvor agora só poderá ser ouvida na sala do trono.  Com o coração pesado te digo; ATÉ LOGO.


Rory Rufino

segunda-feira, 19 de março de 2012

Coisas Frágeis

Não, o tempo nao destrói tudo. o tempo só destrói as coisas frágeis, desossa as fraquezas e consome a carne. o tempo muda todas as coisas porque nada estagnado pode durar muito. mas pode durar um pouco. tudo pode durar um pouco. ninguém precisa viver descrente porque sabe do fim. todo mundo sabe do fim, o tempo todo ele está lá, desde o primeiro segundo. mas entre o começo e o fim dá pra ter vidas e vidas, milhares delas e fragmentos de outras milhares de coisinhas dentro de outras milhares de coisinhas ad infinitum ad eternum. e viu, as coisas frágeis, mesmo elas podem durar. a gente que escolhe se vai pisotear e jogar pela janela ou cuidar direitinho, cuidar até que seja a hora da coisa frágil morrer. não há sentido em destruir as coisas frágeis - já que o tempo mesmo vai se encarregar delas, não é? eu acho. eu acho isso aí. cuida. cuida senão murcha, morre e nem o tempo destrói a memória destruída. cuida. antes que...


Clara Averbuck

domingo, 18 de março de 2012

Untitle

Será mesmo que o amor é maior que a vida e a morte? Queria poder acreditar que isso é totalmente verdade, mas admito que me traria sim algum tipo de alivio poder acreditar que isso é totalmente mentira. Odeio toda essa dicotomia. A bem da verdade acho que o ideal seria dizer “tricotomia”, mas não tenho bem certeza se essa palavra existe; AMOR, VIDA, MORTE, três coisas tão distintas, mas que são corriqueiramente ligadas, às vezes um nasce e indistintamente dá vida ao outro, às vezes um morre para o outro nascer, às vezes um morre para o outro viver, às vezes todos eles morrem juntos (e esses tais sentimentos são coisas complicadas mesmo)… Frases clichês, de nada adiantam, principalmente agora, em plena aula de direito civil, onde o professor destrincha recurso disso, recurso daquilo…, aula de direito em que eu me reservo o direito de filosofar, sobre o amor, sobre a vida e a morte, sobre um milhão de outras coisas, mas principalmente sobre saudade [...] Saudade, eita palavrinha boa, só poderia ser daqui mesmo... É claro que bem sei que efetivamente até então, não estava falando de saudade, mas não estou fugindo, nem do tema, nem de mim mesmo [...] mas — ao menos pra mim — não tem possibilidade de falar de amor e de vida sem essencialmente falar, e sobretudo pensar, em saudade, palavra que nós brasileiros utilizamos para tentar explicar o inexplicável, aquele aperto no peito, aquele nó na garganta, aquele turbilhão de coisas que sentimos e que nem sabemos ao certo o que é. Saudade, ainda agora você me invade o peito, e o pior de tudo é que nem mesmo eu sei o real motivo desse sentimento. Saudade de quê? Saudade de quem? Talvez saudade de tudo um pouco, ou de nada realmente concreto, de um cheiro quase esquecido, de um riso que ainda ecoa na memória, saudade de ontem (e já que é pra filosofar, o ontem pode ter diversos sentidos, o literal, o conotativo, o antropológico [nossa, tantas pessoas que por aqui passaram], o transcendental [foram tantos outros ontens, incluindo os reais, mas principalmente os imaginários, os que eu mesmo preferi inventar], e todos eles de uma única vez), saudade de agora mesmo, inclusive do que não aconteceu… Saudade, são tantas, e porquê não Saudades? No plural. Ou ainda Saudosissímo, no superlativo, só pra intensificar (se é que isso é possível, saudade por si só já é forte de mais). Saudade, palavra eternamente ligada ao verbo sentir: eu sinto, tu sentes, eles sentem, TODOS sentem: saudades (e como diz uma canção que eu tanto gosto: “sentir pode doer”[...] e como sei disso[...]), e caso me permitem uma outra mudança, podemos sem prejuízo do sentir associá-la à outro verbo: QUERER, afinal, só sentimos saudade do que queremos de volta. Não sei se todas essas coisas fazem sentido, na verdade, não tenho bem certeza se alguma delas faz, mas se tem uma coisa que aprendi nessa vida, é que as coisas que realmente existem, via de regra, não fazem sentido algum.

Rory Rufino

quinta-feira, 15 de março de 2012

20.000 LÉGUAS

Ninguém poderia supor o que passava pela cabeça de Antônio naquela tarde abafada, de céu encoberto por nuvens ralas e cidade abandonada.

Não poderia simplesmente porque não havia quem passasse pela rua para, ainda que de relance, ou assombro, perceber o enorme escafandro sobre seus ombros.
Em janeiro, era comum que os habitantes deixassem suas casas e debandassem para o litoral, carregando seus ardidos sonhos de verão, suas coloridas barracas de praia, cerveja aos engradados e autofalantes turbinados. Todos, menos Antônio.
Era do tipo que preferia o enredo ao cenário, o passado ao imediato, o usado ao plástico, os motivos à moda e o profundo ao raso. É que, desde a meninice, talvez por influência de Chico, Clarice e Vivaldi, havia compreendido que o prazer dependia mais da sensibilidade.
O solitário protagonista deste conto é um prisioneiro da própria profundeza – aquela que umedece os miolos e dica entre as orelhas. Vive no fundo de si, emergindo apenas eventualmente, para as irrevogabilidades. Em geral, se esquiva como pode da polidez pusilânime da sociedade -  e não por outra razão, convive com a imcompreensao de muitos e a do “sistema”, sobretudo.
Sem falsidades, piercing, nem tatuagem – ou, a bem da verdade, sem também objetivo prático nenhum, Antônio desvia os conceitos e os preconceitos do senso comum. E usa perfume de artista incompreendido para subverter os esquemas sorrindo e remar contra a correnteza sem fazer cara feia.
Faz de gazua a cabeça. Trabalha como jurista, mas passa o tempo com os olhos virados para dentro, vasculhando as incansáveis anêmonas do pensamento. De tanto fazer uso da música, cinema e literatura, aprendeu que é curvilínea a linguagem da beleza, e passou a dar conta de tecer castelos moles e sinfonias tortas com o material da própria tristeza.
Sozinho, sentado naquele meio-fio de janeiro, pitando um cigarro de palha baiana e ouvindo pios de pássaros vermelhos, sentia prazer na colagem que montava a partir dos futuros que montava a partir dos futuros cacos de si.
Achava bonito, por exemplo, viver apesar da certeza do fim...Seguir, mesmo sabendo que um dia a graça abandonaria a casa e traria a separação que antes disso, contudo, se irritariam um com o outro – primeiro, por razões importantes; depois por motivos tolos. Que bateriam a porta, dormiriam de costas, emburrariam a cara, morreriam de tédio, se embriagariam num bar, conheceriam outras pessoas e ficariam com a consciência arriada de tão pesada. Que se arrependeriam, fariam as pazes e passarias dias de plena felicidade. Sabia que, um dia depois da briga e da bebedeira, a consciência nada mais sentiria... Então, viriam novos tédios, velhos rancores, e uma pequenina semente de vontade de separar cairia no chão fecundo da insatisfação. Dali, então, um ramo, depois um galho, a folhagem da coragem e o fruto pesado, viscoso e áspero da decisão.
Antônio nunca vivera nada parecido. Mas enxergava, mesmo a 20 mil léguas submarinas, beleza na tristeza de perder a alegria que ele (um dia) conheceria.
Não tinha pressa. Considerava charmosa a impontualidade da futura mulher de sua vida.
Chato, louco, romântico... Preferia o sossego abissal de seu escafandro à dupla Ray-Ban e sungão branco.
Tsc, por mais que sua mãe insista e seus amigos zombem, não tem jeito. Para Antônio, caçar nas próprias profundezas é alongar o prazer que seria fugidiço entre as barracas cravadas na superfície da areia.
MSM

Esconderijo

Não é segredo pra ninguém que me conhece que sou completamente alucinado pela música e pela voz da Sandy. Menos segredo ainda que ela entrou em carreira solo. Seu primeiro CD se chama manuscrito, são apenas 13 músicas, adorei todas, realmente melhor do que eu esperava, mas a que mais me balançou foi a que tinha e tem a menor minutagem, nossa muito a ver comigo, só faltou a minha fotinho perto da letra, rs. Espero que gostem.



Nesse quarto escuro existe um menino assustado
Ele é sozinho e teme que o mundo encontre seu cantinho
Entregue a ele pra cuidar,
Eu sei guardar segredos, sei amar
Não conto pra ninguém
Que esse menino é alguém
De barba e gravata
E que esse quarto escuro é sua alma



Sandy Leah

Devaneios

Hoje, diante do espelho, desviei meu olhar por um instante. Quando me foquei novamente não me reconheci no reflexo. Parece-me que uma década se passou. O menino que eu via se foi. Ficou o homem; apenas. Aos poucos me dei conta de que a infância se foi. Um súbito desespero apertou meu peito. Senti-me perdido, sem chão, só. Lembranças borbulharam em minha mente. Entendi que já não podia es...tar nesta condição: só. Agora penso em o que fazer? Já não há mais tempo para perder. Cada minuto vazio é desesperador, é precioso tempo que já não posso recuperar. Enquanto escrevo essas linhas minha vida passa e, ainda que tentando, não encontro sentido para ela. Vejo o rosto de um homem e a maturidade de um menino. Uma incoerência mais assombrosa que os maiores paradoxos da humanidade, pois acontece aqui, na minha mente. O que as pessoas esperam de mim? O que eu espero de mim? Sei de muitas coisas que quero, muitas que quis, mas que já não quero mais. Leio, releio Platão; seu mito de Aristófanes e, por mais ciência que eu conheça e estude, ainda sim acredito. Talvez eu queira acreditar.

Resta-me esperar que as decisões “certas” sejam tomadas. Que o chão volte aos meus pés, mas não me impeça de voar... e que, principalmente, o voo não seja solitário. Espero ansioso pelo dia em que a parte seccionada seja restituída ao seu lugar e que a felicidade despedaçada seja restaurada. Tudo como deveria ser.
Hoje, um menino no corpo de homem. Amanhã – espero – um homem no corpo de homem.
 

Josias Bravim


*Vi esse texto do meu amigo na rede social, e a identificação foi instantênea, tinha que mostrar isso pra vocês.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Agora Mesmo

- Você tá dormindo?
- Não, tô acordado.
- Acho que eu tô com medo do escuro.
- Você tem medo de escuro? Tsc, me abraça, fecha os olhos.
- Mas é desse escuro que eu tô falando. Desse que mora dentro de mim.
- Então vem cá, deita no meu peito, fala pra mim desse medo.
(Tô com saudade de agora mesmo.
Não queria que esse nosso agora fosse embora. Mas, daqui um segundo o presente vai envelhecer. Vai morar no reino do passado, onde todos os seixos já foram rolados.
E esse escuro, o desse quarto e o dos meus olhos cerrados, que deixa o barulho do tempo destilado insuportável!
Pior, inevitável.
É isso, droga! Não há cura contra o tempo. Nada no mundo pode prender o agora.
Existe é claro, o trunfo da memória. Obstinada e heróica, vai fazer de tudo para aprisionar o gosto do beijo e o brilho do relâmpago que explodiu quando te vi naquela hora. Vai lutar com todas as forças para se agarrar ao cheiro da pele e à pele do peito. Vai socorrer as cores das paredes e as estampas do edredon e travesseiro. Vai tentar sustentar, ilesos, perfume, cenário e cada beijo.
Também minha gorda imaginação será coadjuvante. Ela não usa relógio, não penteia os cabelos e, quando quer, expulsa gritando a realidade do trono. Vai reescrever essa história mil e uma vezes. Vai transformar as cores, os sons e as luzes. Vai inventar sinais de fumaça, fundos musicais e rever com impaciência todas as cenas fora da seqüência.
Ainda aqui, enquanto ausculto os segundos marcados em seu peito, me sinto de partida. Mas sei que, logo mais, depois da despedida, ainda sem jeito, um tanto rouca, (quase louca), me sentirei, enfim, partida ao meio.
De antemão, metade de mim experimenta uma rasa colher de desespero.
De repente me permito o delírio de acorrentar as águas do rio (para fazer rolarem de novo os seixos); engaiolar o vendaval (para manter despenteados os cabelos); e recolher do chão cada grão de purpurina (por que é esse o brilho que eu quero da vida).
De repente considero dizer eu te amo; tocar fogo nesse quarto; acender a luz; escrever um livro; tirar um retrato. Mas é tarde. Então me perco, te aperto e sinto medo - ou uma imensa saudade de agora mesmo).
- Não é nada. Bobagem. Só me abraça.
Ingênua personagem.
Ainda não sabe separar o amor do medo.
Não sabe que despir um sentimento pode ser mais difícil que ficar nua em pêlo.
Não sabe que palavras quando não bastam, atrapalham.
E não sabendo, enfim, o que fazer com o fôlego do sentimento, não encontrou melhor desfecho: fechou os olhos e disse boa noite num beijo.
*Na manhã seguinte, no saguão do aeroporto, entregou-lhe um bilhete, que estava entre uma confissão e um segredo, e começava com a estranha frase “ai, que saudade de agora mesmo”.
                                           
Maria Sanz Martins